sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

crônica

Caminhos da vida

Nos braços de minha mãe comecei meu caminho, depois os primeiros passos, incertos e travessos me levaram adiante. A principio era uma trilha modesta, ninguém havia passado por ela, pequenina eu segui na direção do sol nascente como se pudesse tocá-lo. Igual aos corajosos colonizadores quando partiram em busca de terras mais altas, assim fui eu. Cortando cipós, quebrando galhos, removendo pedras, improvisando pontes para atravessar rios, dormindo no alto das arvores, comendo frutas silvestres, bebendo água das fontes e da chuva, a passos cuidadosos eu alcancei uma estrada maior já aberta por aqueles que vieram antes de mim.

Se antes eu caminhava sozinha agora, embora fosse uma estrada cheia de buracos e lombadas, estava no meio de outras pessoas. Mesmo quando os dias eram nublados e sombrios eu guardei na minha mente a direção do sol e não me perdi. Na estrada da vida não há como parar, parar é morrer e eu estava determinada a viver.
Com o passar dos anos, saí dos atalhos para correr a maratona dos jovens.
A duras penas enfrentei o barro, os espinhos, o calor escaldante do deserto e as avalanches de neve. Se antes a estrada era reta, agora fazia curvas perigosas, enveredava por matas fechadas, subia montanhas de onde se ouvia a voz de animais ferozes, mas descia contornando vales perfumados pelas flores do campo...

Eu era forte, nunca fiquei doente, meus passos eram seguros. Mas tive momentos de tristeza e angustia, a derrota chegou bem perto de mim, caí muitas vezes. Gritei tão alto que o universo inteiro deve ter ouvido minha voz, eu queria saber onde estava Deus que havia me abandonado. Na areia da praia só pude ver minhas pegadas, onde estavam as Dele? Aos prantos senti que estava nos braços do meu Anjo da Guarda. Ao me colocar no chão eu tinha nas mãos um cajado, nele me apoiei e nunca mais caí.

Agora caminho por uma estrada asfaltada, via expressa, com direito à paradas ocasionais para um café ou, simplesmente admirar a paisagem. Minha direção é outra, vou ao encontro do por do sol, além do horizonte onde com absoluta certeza nos encontraremos. Quando iniciamos a viagem das descobertas da vida recebemos uma passagem de volta com data de validade em branco até cumprirmos nossa missão.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Flor misteriosa

Flor Misteriosa (Crônica de meu filho Xico)

Um dia, qual Drumond, eu encontrei uma linda flor meio perdida, e desvalida, no ermo da cidade. Encantei-me com sua existência, e a acolhi com o carinho que somente os agrônomos sabem fazer com as dádivas da natureza. Cultivei, tratei, reguei, nutri, iluminei aquela pérola como jamais havia procedido antes nem com meus próprios vasos. Ela cresceu, começou a brilhar, se perfumou, alegrando meu coração. O tempo passava, porém, e a minha flor, curiosamente, não se sustentava na sua plenitude, decaindo às vezes como se estivesse infectada por um vírus. Nesses momentos eu a tomava nas mãos, revigorando sua energia com minha dedicação. Certas horas eu viajava com ela para aspirar a fresca brisa dos lugares mais lindos do mundo, e ela vicejava. Mas, por incrível que pareça, ela nunca firmava seu esplendor. Enrustia sua essência, seu miolo murchava. Havia alguma coisa de errado naquela flor maravilhosa, que a impedia de medrar por completo, e eu quis ir a fundo entender do que se tratava. Com jeito fui observando, estudando um estratagema, até que um dia, disfarçado de beija-flor, voei próximo de sua intimidade e, como se portasse uma lupa especial, percebi pequenas manchas em suas pétalas, locais rodeados de minúsculos espinhos que escondiam um amargor experimentado pela ponta da minha língua de pássaro. Eu nunca imaginara tal desdouro, marcas indeléveis semelhantes àquelas que certas pessoas sofridas carregam para sempre, tornando-as azedas e de mal com a vida. Fiz de tudo ao meu alcance para livrar aquela flor das desgraças botânicas desconhecidas que andavam afetando seu viço. Mas meu esforço parecia em vão: quanto mais eu a ela me dedicava, mais ela se ofuscava, misturando seu esplendor com uma espécie de angústia floral. Nem os mais sofisticados subterfúgios de minha agronomia conseguiram funcionar. Até que desisti, e devolvi aquela flor misteriosa à sua origem.

Confesso que ando entristecido com o meu fracasso na jardinagem do amor. Torço, com compaixão, para que os anjos da natureza a estejam protegendo.

Xico,19/01/2012